Saturday, April 23, 2011

Humm



Spike

Wednesday, April 20, 2011

Orgulho

"While I'm waiting for your blonde hair
To turn grey"





Encontrou-o no mesmo lugar em que ele estivera em todos os atos anteriores.

"Sua barba está ficando branca. Bom, está virando uma barba, mas está ficando branca. De qualquer modo, meus cabelos também estão ficando brancos." O orgulho a impedia de pintá-los, ainda que ela acreditasse que sua aparência realmente melhorasse com tais toques. Esta opinião, aliás, era a mesma de Jonas, que após tantos anos finalmente orgulhava-se de sua barba. Sentado naquela cadeira em que ela sempre o encontrava a cada dia seu orgulho renovava-se ao pensar que finalmente atingira aquilo que na juventude fora tão sedutor. Por vezes perguntava-se o quão honesto teria sido ao longo de todos estes anos caso fosse capaz de confessar suas fraquezas, dentre as quais a maior fora - sem dúvida - amar a si mesmo acima do próximo, mesmo que, com tal pensamento, o desprezo de si atingisse um grau bastante alto para ser suportado sem que alguém devesse pagar por isso. O que tornava-se ainda pior quando ele notava que a vítima privilegiada acabara de entrar.

Por um instante, tão breve quanto uma dúvida, observou-a e, tomado por questões, perguntou-se se, de fato, não mais a amava. Observou - mais que seu corpo, mais que seu rosto e mais do que todo o amor que ela lhe dera, verdadeiro ou falso -, observou seus cabelos. Brancos como sua barba, isto é, apenas na medida em que isto tornara-se inevitável e sinalizava que ambos haviam sido capazes de chegar a tal ponto. Considerou que fosse uma conquista, para logo a seguir perceber que eram conquistas individuais apenas. A despeito do fato de que ambos houvessem sido derrotados, não havia qualquer vencedor. E nem isso era suficiente para causar-lhe dor por concluir que não, não a amava mais. Somente admirava a beleza com que os tons de cinza assentavam-lhe e esperava que o mesmo acontecesse com ele.

Fosse este momento mais longo, possivelmente Jonas teria sido capaz de senti-lo. Olhando para a porta pela qual ela entrava, da mesma maneira intempestiva como em todos os dias de sua vida conjunta ele pudera vê-la entrando por ali, suspeitou que algo apareceria, como que para mostrar que ele estivera errado em todos estes anos. Seus olhos curiosos abandonaram o livro e seus pensamentos circundaram-na pela primeira vez em muito tempo. Fosse este um momento mais longo, haveria tempo para pedir que algo acontecesse, que fosse possível amar, se não ela a alguém.

Antes de chegar à cadeira, porém, Olga perguntou-lhe como havia sido seu dia.

Saturday, April 09, 2011

Ainda que houvesse apenas um justo

Ainda que houvesse um apenas um justo, um único justo, Deus salvaria as cidades de Sodoma e Gomorra? Ainda que o amor ao justo fosse superior ao castigo merecido pelo ímpio, salvaria Deus àquelas cidades por um único justo? Será mesmo possível que em Seu infinito amor e Sua grande sabedoria o Criador não pôde observar nada digno de ser preservado?

Ainda que seja apenas pó e cinzas como Abraão, não poderia um homem qualquer perguntar se o Senhor salvaria um justo - um justo que fosse, é o que Lhe pediria este homem! - desta terra desgraçada na qual o colocara? Misteriosos são Seus desígnios, é verdade, mas seria surpresa o fato de que justos e ímpios, a cada dia, destroem Seu rebanho em temor de Seu poder?

"Não", pensaria o homem, "ele não é capaz. O poder é quem o detém e não o contrário. É apenas mais um sádico, um desgraçado qualquer que foi colocado ali. 'Purifica-te, senhor, pois que tu precisas. Vês o reino que criou, e notas que destruístes aquelas cidades por prazer, porque podias. Havia, sim, dez justos ali, afirmo-te. Mais que isto: jogo-te na face que o fizeste porque temeu encontrar mais que dez justos, porque não amava-os verdadeiramente, cão.' Sim, ele é incapaz. Incapaz de amar aquilo que somos, e apenas nisto estaria sua sabedoria não fosse justamente este seu dever.".

Justos, ímpios, inocentes, culpados, bons e maus, qual a diferença quando trata-se de um massacre?


Ájax, o divino filho de Telamon, talvez tenha sido este justo. Ájax, que amou mais a Tecmessa, sua escrava, e a Eurísaces, seu filho, a seu irmão Teucro e, acima de tudo, à justiça e à verdade de sua luta do que aos deuses. Ájax que pereceu sem ter nunca sido ferido por seus adversários, derrotado apenas por seu próprio sofrimento.

Este justo, o homem a quem buscava Abraão, já não mais existia. Séculos antes do senhor a quem este implorava amor, Ájax já entendera que este não era seu lugar. Ao mundo caberia o julgamento divino. A justiça deveria ser procurada em outro lugar.

Rocinante

Triste foi a figura mas não o homem, pois cavalgou, ainda que de modo pouco usual e nada altivo. Cavalgou em uma época em que cavalgar era preciso, ao menos para ele.

Mesmo assim o epíteto com que o homem passou a História foi o da tristeza. Triste figura, cuja vida foi desperdiçada entre delírios e desastres, mas também em aventuras; figura a quem coube transformar-se em uma imagem do fracasso a despeito de seus esforços terem sido suficientes para que o honrassem e chorassem sua morte. Triste, novamente, foi sua figura mas não a vida pela qual estas lágrimas caíram. Como, porém, a morte não foi capaz de carregar ambas - a vida e a figura - de uma vez, infelizmente à última coube a tarefa de construir a memória do homem. E ela, desajeitada como sempre fora, cumpriu o fez de modo inábil.

Inábil porque não fora triste aquele cavaleiro, apesar de sua figura. Perdeu-se, assim, também sua memória, mal contada nesta figura.

Nada, porém, foi mais injusto do que esquecer aquele companheiro sem o qual a bizarra figura não teria sido tão triste. Pouco mais sabe-se sobre ele do que seu nome e isto parece ser o bastante. Pena.





Algum dia alguém há de se lembrar dele.