Wednesday, August 27, 2008

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento

"Am Ende bleib ich doch alleine"


Muitos anos depois, diante da mesma mesa, tentava se lembrar de como fora o dia em que descobrira que a felicidade é como uma peça de gelo. Era possível, porém, que nem soubesse se já havia descoberto, ou mesmo se isto era uma descoberta.


Talvez tivesse acabado de descobrir que, assim como antes, não eram descobertas antigas que lhe impressionavam, mas o longo tempo que demorava para perceber que as havia descoberto. Um tempo tão longo quanto o que levava para tomar sua bebida, embora consideravelmente mais curto do que precisava para se embriagar. "Afinal, nem é preciso estar aqui para isso".

Muitos anos depois, mas ainda na mesma situação, ainda não conseguira se decidir se fora, de fato, casmurro e rabugento ou se apenas um fraco. Na verdade, era possível que nem soubesse nada, o que, no fim das contas, tornaria a situação bem mais simples.

Talvez estivesse pensando que, assim como antigamente, não eram as cobranças que o machucavam, mas sua incapacidade em deixá-las para trás. Um sentimento tão vazio e auto-complacente quanto a pretensa solidão de uma bebida, embora um tanto mais forte do que conseguiria suportar. "Já que o problema, de onde quer que seja visto, parece estar aqui".

Enquanto isto, no mesmo lugar de sempre, com o mesmo trabalho de sempre e as mesmas mãos de sempre - apenas mais vulneráveis ao frio - aquele homem que tentava ser bom continuava a observar de maneira distante e penosa a agonia de seu companheiro, pois sabia ser esta também a sua. E por isso preferia agarrar-se àquele peso e afundar, pois, assim como o outro não suportaria um chamado à vida, ele não suportaria o peso da esperança.