Saturday, August 27, 2011

Perda de tempo

Por quê as pessoas fazem coisas apressadamente?

Por quê as pessoas correm? Por quê as pessoas furam filas? Por quê as pessoas trombam? Por quê as pessoas passam por cima de outras? Por quê as pessoas se irritam? Por quê as pessoas não podem esperar?

Por quê as pessoas lidam com o tempo como se ele precisasse ser aumentado? Ou melhor, como se elas soubessem quando ele acaba?

Por quê as pessoas desprezam e xingam aqueles que esperam, não se apressam, não trombam, não furam filas, procuram respeitar o espaço dos outros e ser gentis, atenciosas e calmas?

Por que as pessoas generalizam suas críticas? E por quê as pessoas imaginam que o mundo onde coisas boas e ruins acontecem está mesmo virando uma arena de luta livre?

A propósito, por quê as pessoas assistem a barbárie na televisão? Quanta perda de tempo!

Saturday, August 13, 2011

Laços

(...)Olga recebera a notícia da morte de seu pai por telefone. Algum tempo depois iria lembrar-se de como ao ser avisada, também por telefone, da notícia da morte de um amigo tivera a sensação de que suas pernas haviam sido rasgadas e tudo aquilo que havia dentro de seu corpo, órgãos, músculos, nervos, sons, pesos e emoções, pareceu ter escorrido para o chão e formado um poça sobre a qual ela não conseguiria, por medo, apoiar-se. Ao mesmo tempo, em sentido inverso, algum tipo frio de movimento ascendente trouxe a seus olhos um filete de água, fraco o bastante para ser controlado tão logo fez-se sentir, mas que foi suficiente para que ela entendesse que algo havia restado no vácuo em que a notícia transformou seu corpo, e eram seus neurônios. Seu sistema nervoso, e somente ele, parecia funcionar perfeitamente: ela sentiu algo, ainda que naquele momento toda a força de seus sentimentos se concentrasse em seus olhos. Olga soube que estava triste. Desta vez, porém, fora diferente. (...)

Tuesday, August 02, 2011

As atuais circunstâncias

As atuais circunstâncias não significam muita coisa.

Talvez porque não sejam propriamente circunstâncias e sequer sejam muito diferentes de algo que não seja atual. A ideia mesma de atuais circunstâncias tende a ser uma farsa, ou melhor, um exagero. Não delas mesmas, é claro, mas de seu descolamento quanto àquilo que elas supostamente não são. Exagero, neste caso, seria considerar que as circunstâncias anteriores não seriam atuais se comparadas com estas, imediatas. E, se fossem mesmo assim tão indiferenciadas, seu caráter circunstancial também desaparece.

Nada disso, contudo, importava para Emília. Nada disso, a não ser a tradução destas ideias em um tédio tão permanente quanto as atuais circunstâncias. Ela vivia, outros morriam, ela mudava, outros ficavam, ela pensava, outros esqueciam e, de repente, sem que nada mais houvesse acontecido além disso, ela percebia que mudara por fora. Mesmo porque logo viria a deixar de acreditar que havia algo que não fosse isto que ainda naquele agora chamara de "por fora" isto não importava mesmo.

O movimento, porém, interessava-a de forma quase criminosa: "Como é possível que tudo isso seja apenas tédio? E por que tamanho desespero, se é apenas tédio?". Questões que, de fato, não importavam, mas que pareciam necessárias para que mais esta situação não fosse percebida apenas posteriormente. Ainda assim, Emília tinha a sensação de que já pensara nisto antes, quando ainda era capaz de diferenciar tédio de repetição.

Nas atuais circunstâncias, no entanto, Emília não era capaz de fazê-lo.