Tuesday, March 06, 2007

Descartes, a memória e as baratas


Se nos anos 1950, 60, 70, 80, 90 o mundo tivesse vivido a tal da guerra atômica que acabaria com a humanidade, as baratas teriam sobrevivido.

Até aí nada de novo, inclusive, nada de novo em colocar uma discussão sobre a superioridade da raça humana com relação a todos os animais menos às baratas ou ainda sobre a capacidade dos homens de acabarem consigo mesmos. Como de qualquer forma parece que vamos conseguir atingir o objetivo de acabar com o mundo, dessa vez fodendo o clima e tudo o que lhe diz respeito, parece que as baratas vão ter sua chance de controlar este planeta. Mas se dessa vez o ataque vem por meio do clima e dos efeitos que sua alteração pode trazer, as baratas estariam adaptadas a sobreviver? Porque, na verdade, o que era importante na sobrevivência delas à hecatombe nuclear era o fato de subsistir uma vida (inteligente na minha opinião, mas devo ressaltar que não sou marxista e também que quando escrevo em primeira pessoa aqui não vale) capaz de provar que algum dia, de fato, a vida existiu.

O velho René Descartes, tão surrado quanto batido, já pensou que só penso porque existo, mas que se não pensar, em nada me diferencio de qualquer existência cuja existência pode ser colocada em dúvida (ou algo assim), de modo que o que caracteriza a existência do ser é o pensar. Daí seria possível dizer que o ser humano, por natureza, seria apenas racional, e com isso já seria capaz de se organizar socialmente na forma de guerra de todos contra todos.

Voltando à existência das baratas, ou à sua possível existência pós apocalipse, seria importante, então, ter alguém encarregado - e, nesse caso, encarregado pelos humanos, que são quem tem o privilégio de destruir o mundo atualmente, privilégio disfarçado sobre o nome de domínio - de provar que algum dia algo existiu na terra inóspita que a Terra se tornará.

De qualquer forma, não vai haver pra quem provar, mas é importante que se prove, e aí, repousa a questão: a procupação que temos para com o passado algum dia vai se transformar em nada porque não estaremos mais aqui, enquanto a preocupação que temos com o futuro, que é radicalmente diferente daquela outra se refere apenas ao que poderá sobrar para aqueles seres que, segundo nosso modo de pensar, serão incapazes de pensar no passado (o que poderia ser até bom, uma vez que se eles fossem adaptados a fazer investigações históricas e arqueológicas, talvez ficassem iguais a nós, que culpamos o passado por estragos no mundo...).

O Amós Óz sempre lembra desse tema, sempre se pergunta quem vai ser o carinha que vai morar no apartamento do Fima daqui a cem anos, qual será a Jerusalém que ele vai enconrtar e, claro, como é interessante que a importância do Fima para ele será a mesma de um grão de areia no universo inteiro; ou ainda o caso da janela azul que a mãe do Prófi viu num rio e nunca mais soube o que aconteceu com ela, mas soube que existiu uma janela que existiu um rio, que existiu um lar e que tudo isto foi destruído pelos homens. Mais tarde, para compensar, outros homens e ergueram o Estado de Israel, que destruiu rios, janelas, lares, homens tudo isso graças a outros homens, que empurraram outros homens pro caminho da destruição de outros homens, rios, janelas, lares, e, no final das contas de tudo o que existe, menos da memória, que fica aí para sempre, pra sempre sabermos que existiram janelas, rios, lares de mães que fizeram seus filhos chorar de alegria e que choraram de tristeza por seus filhos.
Mas também que existiram livros e estes foram tão necessários devido à necessidade de contar o que aconteceu no passado, de se lembrar que no futuro não seremos nada a não ser um grão de areia e que todos os problemas de gente grande que temos hoje não serão mais problemas e, na verdade não serão mais nada...

Segundo o Amóz Óz, daí vem a importância de contar, da memória, mas talvez daí venha também a importância das baratas, se hoje em dia pra contar coisas tão simples é preciso que antes estas sejam destruídas e causem a destruição de outras iguais a si, é importante também ter alguém que sobreviva à destruição, que viva a vida escondido, sob a terra e com medo daqueles que o dominam, mas, quem sabe por isso?, capaz de sobreviver sem destruir. Mas também, talvez por isso, somente capaz de sobreviver e reinar na destruição.

Thursday, March 01, 2007

Do que era feito o futuro


"This is the place where I kill for you
This is your time of diversion and fun
So enjoy!!"


Após entrar em casa, caiu no sofá como se tivesse bebido. Qualquer pessoa que o encontrasse naquele momento poderia supor que se encontrava mais uma vez derrotado pela bebida. A ironia talvez fosse que dessa vez sua derrota fora pelo não beber, pelo não desejar. Não sabia, afinal, porque não se movia daquele lugar, mesmo sabendo que a cama seria o melhor lugar para suas costas, devido a algum tipo de fraqueza ou mesmo à ausência de fraqueza. Sabia apenas que não sabia se queria levantar ou não, se queria ficar ali ou não e, porque não?, se quaria viver ou não. Por isso não tinha bebido e nem tinha optado por não beber, ainda que se sentisse anestesiado assim mesmo.

E daí pensou no mundo, e em todos os seus sonhos e em todas as promessas que imaginara que algum dia já lhe tivessem feito, mesmo que não tivessem. Pensou em como elas dariam errado se houvessem um dia dao certo e pensou também em como o passado teria se transformado num futuro diferente, se ele tivesse sabido que o futuro seria assim. Continuou pensando até pensar que estava sonhando com a possibilidade de sonhar novamente. E, fazendo isso se lembrou de que era feito o futuro antes, porém antes mesmo que pudesse pensar que não olharia ao redor para não desfazer sua ilusão se lembrou do porque não faria isso e mais uma vez quis apenas parar de pensar, quis voar e encontrar alguma criança com quem pudesse reaprender a construir o futuro.

E continuo pensando, e pensando e pensando até que suas costas se tornaram tão duras quanto ele desejava que todo o seu ser fosse. Mais uma vez, e sabia que não seria a última, resignou-se a tentar reconstruir a impossibilidade de se salvar o mundo, enquanto caminhava arrastando os pés em direção a mais uma noite.