Friday, May 25, 2007

A gaiola e os pássaros


Pareceu ter acontecido de repente. Um dia não se ouviu mais som algum, as canções haviam sido substituídas por conversas de pé de ouvido, algumas aparentemente tensas. Aliás, essa tensão sempre estivera presente, e mesmo quando era disfarçada, sua presença era notável . No entanto, nem sempre fora possível identificar os seus motivos. Às vezes, parecia que eram reclamações cantadas para fora, em tom de doce e cômoda melodia; em outras vezes, eram estridentes gritos que pareciam não vir daquele conjunto, más sim de um outro desvaiarado, que edvido à sua insistência em obter atenção por alguns minutos era tratado com desprezo. O mesmo desprezo com que se tratava aqueles que não cantavam para o público, mas sim em tons baixos e abafados, e com isso acreditavam estar se negando a oferecer o prazer àqueles que lhes cobravam justamente isso. Enfim, mesmo sendo um espaço apertado e, talvez por ser apertado, público, em todos os sentidos exceto o sério, era uma bomba-relógia desativada esperando para apodrecer.

Até aquele dia, o dia em que, não mais que de repente para alguns tantos quantos haviam os que já haviam desacreditado deste dia e os que achavam que já era tarde demais, os púlpítos foram ocupados por aqueles que achavam chegada a hora. Ironicamente, o meio para que isso se desse foi uma proibição ao uso de púlpitos, por aqueles que, provavelmente por ocuparem patamares mais altos esqueciam que falavam com quem se apoiava em poleiros estreitos. A partir daquel dia, quem quisesse cantar, que cantasse com todos, pois alguns ouvidos sofridos pelas pelejas internas já não podiam suportar o fato de terem se tornado invisíveis. Assim, alguns sofreram, mas aquele passou a ser um lugar no qual parecia não mais haver música.

Parecia, pois quando alguém se lembrou de que, afinal, eles não estavam ali apenas para cantar, mas também para viver e, vivendo, fazer vidas que não se limitassem às suas, passou-se a olhar sorrateiramente para eles, esperando descobrir se estavam mortos, talvez numa micro guerra civil. E qual não foi seu espanto ao descobrir que todo o poder que detivera até então, por maio do qual tentara fazer-lhes achar que nunca cantariam juntos de verdade, que esse poder fora derrotado, simplesmente porque eles entenderam que antes de mais nada, só se pode cantar para todos se todos puderem cantar.

E aqueles pássaros fizeram sua greve, aquela gaiola tornou-se estranha e quem olhava de fora não entendia dieito, até porque não sentia muita falta, mas sabia que nem tudo eram rosas. Até agora, a História está sendo escrita, e os pássaros só conversam entre si, mas cada vez tomam conhecimento de sua força. Pode ser que pela manhã tenham voltado à guerra, ou até tenham sido vencidos pelos donos da gaiola, mas até lá, tudo o que há a perder é o medo de que nada se ganha ao se jogar nessa "imansidão plena de promessas" que é a luta.