Saturday, September 08, 2012

Na antiga capital

Moro em um museu. Todos os dias saio de minha casa nos recantos esquecidos do antigo palácio e me dirijo a uma sala qualquer onde poderei passar o dia apreciando algumas das obras ali expostas sem que os visitantes se dêem conta de que estão, na verdade, invadindo meu lar. Há anos que não saio deste lugar e sequer sei como está a pequena cidade lá fora, que já foi a capital do meu reino e hoje é apenas um destino pitoresco para os governantes, que, aliás, não sei quem são.

Todos os dias me sento em um banco dentro de minha casa e ali permaneço até à noite, quando me arrasto de volta às minhas sombras antes que os seguranças me convidem a encarar a vida no mundo decadente e sem arte que existe para além das paredes. Meus companheiros durante o dia são desatentos e poucas vezes me perturbam, pois poucos se interessam pela presença de outra pessoa quando estão a cuidar de sua educação cultural, e assim um velho fedido e malvestido é apenas um excêntrico e não um recluso ex-ministro.

Meus companheiros são, porém, o que me mantém vivo, uma vez que é a eles que recorro, por cima de meu orgulho e vergonha, quando preciso confessar a alguém que moro em um museu; são eles que me trazem alimentos e não me perseguem até as estranhas em que me abrigo.

Até hoje nunca fui seguido e consegui os alimentos necessários e, por isso, ainda vivo em um museu. Até hoje.




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