Monday, October 22, 2007

Fragmentos de esperança

















Thomas Hobbes, aquele filósofo malvado, já havia dito algo do tipo: me acompanhe e você não poderá mudar de opinião, logo, agora é a hora de discordar.

Bom, Hobbes também mostrou o quão fortes são os impulsos naturais que impelem o ser humano ao desejo absoluto de exercer o poder. Exatamente aquele que impede que os indivíduos, liberados de qualquer coerção exerçam o discernimento e o auto-controle: o poder é absoluto tanto como forma quanto como possibilidade. pelo menos é um alento saber que se nada mais restasse para dominar os humanos ainda seria um fato inegável que o poder, mesmo antes de ser o Leviatã, restaria... talvez junto com as baratas.

Mas não era exatamente isto que preocupava Hobbes e sim a execução do poder de verdade. Essa bobeirada de possibilidades e formalidades não lhe caía muito bem, na verdade, ainda que venha bem a calhar lembrar-lhe que o medo, então, não seria da morte, mas sim o medo de perder as possibilidades da vida...Enfim, quando não há mais que a auto-censura, é bem possível que o desejo incontrolável de ter todo o possível é que move os sujeitos à vida, aos movimentos de tomada de posse, guarda e, (muito) eventualmente, guerra de proteção. Mesmo a guerra preventiva, paradoxalmente, é motivada por um desejo de garantir as possibilidades no futuro! O medo de perder tudo, ou o medo de poder perder tudo, portanto, é uma decorrência da possibilidade de ter tudo. E este é o medo que leva o indivíduo, segundo Hobbes, num movimento de racionalidade, a avaliar qual é a coisa mais importante que lhe pertence e descobrir, rapidamente, que esta é a sua própria vida. Daí que, ao invés de se manter como um possível senhor e um possível morto, o homem prefere se tornar refém da sua esperança de uma boa vida sem desejos extraordinários. E aí fica engraçado pensar que a esperança é que mantém as prisões e, de um certo modo, é em troca dela que se abre mão de viver as possibilidades.

Ora, já disse mais de uma pessoa, o limite do possível é justamente o impossível e este não tem mesmo limites - ou algo que valha por isso, só que escrito de um jeito mais bonito. Por isso, aliás, o Teddy Adorno, aquele outro filósofo malvado, pode ser considerado o cara que mais tem esperança entre todos estes tais de marxistas: pra ele, o fato de a vida ser danificada é algo absurdo justamente porque ela pode ser a boa vida. Sua visão do mundo de verdade é tão cética e radicalmente crítica justamente porque ao assinar o contrato que os submete à esperança os indivíduos estão abandonando o medo e, com ele, a esperança verdadeira. A racionalidade deste contrato impede que o medo de verdade preocupe alguém, pois ele não faz parte do jogo. Apenas o medo controlado, superável e sublimado. Com isso, resta apenas um certeza travestida de esperança: a de viver a vida.

Enquanto isso, o medo de verdade, aquele natural que impele as pessoas a se tornarem escravas é tido como irracional, como algo que não deve mais ser levado em conta, já que a garantia da vida está dada. Acontece que aquele medo é mais que o medo de não viver, é o medo do desconhecido, daquilo que, por ser diferente, não pode ser explicado, é o medo do outro. O outro que só pode se tornar conhecido por meio de uma adaptação: a adaptação ao medo.

Por isso Adorno era um cara esperançoso. Talvez ele quisesse apenas aprender a conviver com o seu medo daquilo que não poderia ser explicado. E isso poderia ser tanto a torcida do Corinthians quanto o futuro da humanidade, afinal, de medo e esperança é que ambas se movem.

Amor e sociedade

"Now we can use all we give all of our loving and affection
We'll have our way
Like we always do"



Porque, pombas, o mundo não pode ser simples? Tudo bem, já tinha aquele sociólogo que havia dito aquela coisa dos fragmentos e tal, de um mundo feito de seleções destes fragmentos e, por isso mesmo, ser uma imensa realidade real, mas impossível de entender. Mas aí cabe a pergunta: porque, então, tentar entender? Já que, num sentido, é tudo feito de incompreensão, o que é certo está sempre certo e o que está errado está sempre certo, de modo que o que está certo está também errado, bastando jogar fora o pedacinho de mundo que o cara pegou e pegar um outro.

Só que, possivelmente, seja engraçado pensar que, ao invés de pegar um pedaço de mundo em forma de vidro, pode-se pegar um pedaço de carne e osso em forma de gente. Daí, como você é gente também, você pode muito bem imaginar que aquela coisa que você pegou é mesmo gente, uma gente diferente de você, mas ainda assim uma gente, daquelas com as quais você compartilharia bons e maus momentos e esperaças e decepções, bastando para isso um pouco de entrega de ambas as partes. Talvez menos, porque se a sua gente de verdade/mentira se dispuser a notar a sua existência, talvez já seja o bastante para estabelecer um pouco de contato que é menos que entrega e mais do que nada, afinal.

Mas acreditar no diferente é, além disso, apostar na possibilidade da convivência, na chance de que os opostos realmente se aceitem. Por isso, então e talvez, crer no impossível é também crer na chance de este ser apenas um fragmento de real ainda não selecionado, uma gente ainda não tocada e uma chance ainda não vivida. Daí que o limite do possível pode ser superado exatamente pelo possível visto de outro modo. Ou melhor: pelo possível que antes era impossível. Ao mesmo tempo, é claro que selecionar o fragmento (ou a gente) certo não é uma escolha prévia, mas uma constatação que só aparece após a convivência, de modo que a própria escolha já é um risco e, se é um risco, o que importa é dedicar-se à escolha a fim de buscar a confirmação de que foi certa ou aceitar a decepção do erro. A beleza, contudo, está no ato mesmo de correr riscos, e, talvez, seja ainda maior quando os riscos parecem inconsistentes: buscar naquilo que parece impossível, indiferente, oposto e mesmo contraditório significa, antes de mais nada, não se limitar ao possível, mas situando-se dentro do real - e o real é todo o possível e suas alternativas - e olhar para além, para a superação. Daí que as más escolhas aparentes guardam em si nada mais nada menos que o germe da esperança que supera as condições em que surgiu. Se elas se confirmarão más ou, de fato, desabrocharão num novo algo é tarefa da experiência dizer.

A esperança, mesmo que morra, é a última, portanto.

Wednesday, October 10, 2007

A situação social do goleiro


"No fear, no pain
Nobody left to blame
I'll try alone
Make destiny my own
(...)
So here I am
In solitude I stand"






Por muito tempo, mas muito tempo mesmo, ninguém se importou com os goleiros. E ainda hoje ninguém se preocupa, a não ser que ele seja o melhor atacante do time (do seu ou de seu adversário...).

Mas o problema é que ele está lá, o que já coloca dois problemas a mais nesta frase: primeiro, não se deve começar uma frase - que dirá um parágrafo! - com adversativa e, segundo, não se deve repetir palavras abusivamente. E, além disso, ainda temos de nos preocupar com o fato de que um ser humano está sozinho, cumprindo uma função especial e diferenciada e que é objeto de esquecimento, a não ser quando a torcida deseja sua humilhação e derrota, se possível nesta ordem, pois a vitória é um prato que se come frio.

Porém (!), mais que diferente, o goleiro é um solitário e mais que um mártir, o goleiro é culpado.

O quê, afinal, leva alguém a escolher a tarefa de defender seus companheiros ao invés de ajudá-los a atacar se, aliás, o próprio conhecimento popular já afirma que "a melhor defesa é o ataque"?. Por quê, então, temos um sujeito que se sujeita a ser esquecido e deixado para trás, no grande momento? Por quê o público é obrigado a encarar o fato de que seu time, para vencer, precisa superar aquele cara cujo tarefa é evitar que o jogo seja o mais bonito possível? Ainda se, após as jogadas mais bonitas ele aparecesse num salto para o nada e, no momento seguinte não fosse mais que o contraste com a alegria da vitória, se, enfim, o goleiro não fosse mais que a necessária derrota para a existência da vitória (o não ser como condição necessária do ser alternativo, diria o escritor), sua existência teria uma justificação positiva.

Entretanto, o goleiro é um ser tão negativo que obriga mais um parágrafo a começar com uma adversativa! Pois, além da língua, ele deve estragar o jogo em si: sua função vital é negativa, é evitar o gol, é guardar novamente o grito na garganta e encarar tudo como mera obrigação, e, no máximo, exigir que seus companheiros rendam mais. Comemorações são momentos excepcionais, gritos e reclamações são esperados (já que, somado a tudo aquilo, o goleiro ainda deve ser um líder!) e decepção e tristeza são naturais e, portanto, desejáveis.

É por isso, então, que ele é um solitário: a alegria e seus derivados são, por execelência, sensações coletivas, alcançadas positivamente, enquanto ao goleiro cabe, no máximo, a satisfação pessoal por sua tarefa cumprida. Ora, a satisfação pela derrota (ou pela desgraça) alheia é, além de demonstração de insensibilidade e falta de caráter, ressentida e culpada. São sensações exitosas particulares que implicam em desolação coletiva e, pior ainda, em um elogio da não criatividade, em uma manutenção do estado das coisas e em um movimento claramente reacionário. Daí o fato de, mesmo colocando-se numa posição digna de pena e apelando para um pretenso martírio, o goleiro é, antes, culpado.

Culpado por impedir a beleza total, mas também por mostrar a todos que esta mesma beleza depende da existência da tristeza, que, junto com a existência dos sonhos está a existência das perdas, junto com a redenção está a culpa e junto com o desejo de superação está o ressentimento. Em outras palavras, cada um dos sentimentos positivos carrega em si um germe de sua negação, e, por isso, desde sempre a impossibilidade mesma de realização daquela beleza total é demonstrada pela simples existência de alguém cuja tarefa é o negativo da beleza. Ao goleiro, portanto, cabe antes de mais nada, ainda nos vestiários da vida (hehehehe), encarnar a demonstração da condição contraditória da felicidade.

Como já disse alguém, não existe vida na falsidade, e é possível que não exista felicidade no negativo. Se este negativo, então, é necessário, será impossível existir felicidade completa, já que a alguns é imputado o sofrimento como causa de vida. Sociologicamente poder-se-ia dizer que a desigualdade alimenta a sociedade, e sem aquela, esta perece e desaparece. Mas, para usar uma última adversativa, o conhecimento popular (novamente ele) ensina que para alguém ganhar, outros devem perder, e essa é a lei da vida, que, por sua vez, é um jogo. Aceitá-lo significa concordar com as regras e correr o risco da derrota. No caso do goleiro, a regra aceita diz respeito não ao jogo, mas à sua situação social: para ele, viver é sofrer e a regra é encontrar a realidade dentro do sofrimento. Por isso, finalmente, justifica-se sua diferença: viver, neste caso, já é acreditar, ao passo que acreditar já é enganar-se. Algo, no mínimo, necessário.