Orgulho

"Sua barba está ficando branca. Bom, está virando uma barba, mas está ficando branca. De qualquer modo, meus cabelos também estão ficando brancos." O orgulho a impedia de pintá-los, ainda que ela acreditasse que sua aparência realmente melhorasse com tais toques. Esta opinião, aliás, era a mesma de Jonas, que após tantos anos finalmente orgulhava-se de sua barba. Sentado naquela cadeira em que ela sempre o encontrava a cada dia seu orgulho renovava-se ao pensar que finalmente atingira aquilo que na juventude fora tão sedutor. Por vezes perguntava-se o quão honesto teria sido ao longo de todos estes anos caso fosse capaz de confessar suas fraquezas, dentre as quais a maior fora - sem dúvida - amar a si mesmo acima do próximo, mesmo que, com tal pensamento, o desprezo de si atingisse um grau bastante alto para ser suportado sem que alguém devesse pagar por isso. O que tornava-se ainda pior quando ele notava que a vítima privilegiada acabara de entrar.
Por um instante, tão breve quanto uma dúvida, observou-a e, tomado por questões, perguntou-se se, de fato, não mais a amava. Observou - mais que seu corpo, mais que seu rosto e mais do que todo o amor que ela lhe dera, verdadeiro ou falso -, observou seus cabelos. Brancos como sua barba, isto é, apenas na medida em que isto tornara-se inevitável e sinalizava que ambos haviam sido capazes de chegar a tal ponto. Considerou que fosse uma conquista, para logo a seguir perceber que eram conquistas individuais apenas. A despeito do fato de que ambos houvessem sido derrotados, não havia qualquer vencedor. E nem isso era suficiente para causar-lhe dor por concluir que não, não a amava mais. Somente admirava a beleza com que os tons de cinza assentavam-lhe e esperava que o mesmo acontecesse com ele.
Fosse este momento mais longo, possivelmente Jonas teria sido capaz de senti-lo. Olhando para a porta pela qual ela entrava, da mesma maneira intempestiva como em todos os dias de sua vida conjunta ele pudera vê-la entrando por ali, suspeitou que algo apareceria, como que para mostrar que ele estivera errado em todos estes anos. Seus olhos curiosos abandonaram o livro e seus pensamentos circundaram-na pela primeira vez em muito tempo. Fosse este um momento mais longo, haveria tempo para pedir que algo acontecesse, que fosse possível amar, se não ela a alguém.
Antes de chegar à cadeira, porém, Olga perguntou-lhe como havia sido seu dia.
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