Sunday, October 07, 2012

Uma luminária

Se lhe oferecessem a escolha de algo, uma única coisa, um único lugar, um único alguém, um único poder ou um único sentimento que pudesse deixá-lo feliz pelo resto de sua vida, qual seria sua escolha?

Uma luminária.

* * *

Se soubesse que lhe perguntariam sobre algo que pudesse deixá-lo feliz por todo o resto de sua vida, preferiria escolher de uma lista ou responder livremente?

Responder livremente.

* * *

Se lhe oferecessem a escolha de algo, uma única coisa, um único lugar, um único alguém, um único poder ou um único sentimento que pudesse deixá-lo feliz pelo resto de sua vida, qual seria sua escolha?

Queijo.

* * *

Se tivesse que escolher de uma lista algo que pudesse deixá-lo feliz por todo resto de sua vida, preferiria que a lista fosse feita por alguém que o conhece bem o bastante ou por alguém aleatório?

Alguém aleatório.

* * *

Se lhe oferecessem a escolha de algo, uma única coisa, um único lugar, um único alguém, um único poder ou um único sentimento que pudesse deixá-lo feliz pelo resto de sua vida, qual seria sua escolha?

O vento.

* * *

Se fosse obrigado a escolher entre as opções enumeradas por alguém que o conhece bem o bastante, preferiria fazê-lo por  exclusão ou decidir pelo que mais lhe agrada?

Decidir pelo que mais me agrada.

* * *

Justificaria suas escolhas ou não?

Não.

* * *

Não escolheria uma luminária porque ela seria útil só a mim.
Não escolheria queijo porque em algum momento ele acabaria.
Não escolheria o vento porque não posso mantê-lo.

Thursday, September 13, 2012

A seguinte cena me ocorre:

Em uma loja de um shopping - seja uma loja de cobertores e travesseiros -, com paredes creme, vitrines brilhantes e luzes claras, como são as lojas de cobertores e travesseiros, nesta loja há um sofá - de couro, cor romã, como são os sofás destas lojas - ao lado de uma máquina de café para os clientes (a máquina não precisa de descrição, pois é igual a todas as máquinas de café para clientes).

Em meio aos clientes, que não são muitos, já que cobertores e travesseiros não são itens que "saem bem", um casal de pouco mais de trinta anos com um bebê. Presume-se que seja seu filho e presume-se que seja o único.

O casal aproxima-se da área do sofá e da máquina de café, onde há um aviso: "Prezados clientes, pedimos a gentileza de se servirem de café mas não levarem seus copos para a loja", assim mesmo, num português meio mal cuidado. Ali um deles se serve de café enquanto o outro saca uma mamadeira da bolsa e a aproxima do até então amável e sorridente bebê.

Aqui a cena passa a ser dublada:

Bebê: Chora, o que significa: Não quero!

Adulto 1: Toma, meu bem, sua mamadeira.

Bebê: Chora, o que significa: Pô, não quero, já tomei leite hoje!

Adulto 1: Tá na hora de mamar, não pode ficar sem se alimentar.

Bebê: Chora ainda mais, o que significa: Mas eu não tô com fome!!!

Adulto 1: Meu bem, só um pouquinho, o leitinho, vai.

Adulto 2, com um copo de cheiroso cappuccino à mão: Vai pequeno, toma a mamadeira.

O bebê, pára de chorar e pensa: Porra, que merda. Me dá essa porra aqui e vai se fuder, então.

A cena volta a ser descritiva.

O bebê aceita a mamadeira, enquanto os adultos se olham sorridentes. Três pequenos goles depois o bebê vomita e suja o sofá, e o adulto 1, enquanto o adulto 2 se assusta e derruba seu cheiroso cappuccino, espirrando café por toda a loja de cobertores e travesseiros, que tem paredes creme, vitrines brilhantes, luzes claras e, agora, chão grudento e produtos manchados.

Dublado e lacônico, o bebê pensa: Se fuderam. Até tentei avisar, mas quiseram fazer do jeito deles. Foda-se, bem feito.

O seguinte pensamento me ocorre: seria melhor se já nascêssemos com espírito de porco.

Saturday, September 08, 2012

Na antiga capital

Moro em um museu. Todos os dias saio de minha casa nos recantos esquecidos do antigo palácio e me dirijo a uma sala qualquer onde poderei passar o dia apreciando algumas das obras ali expostas sem que os visitantes se dêem conta de que estão, na verdade, invadindo meu lar. Há anos que não saio deste lugar e sequer sei como está a pequena cidade lá fora, que já foi a capital do meu reino e hoje é apenas um destino pitoresco para os governantes, que, aliás, não sei quem são.

Todos os dias me sento em um banco dentro de minha casa e ali permaneço até à noite, quando me arrasto de volta às minhas sombras antes que os seguranças me convidem a encarar a vida no mundo decadente e sem arte que existe para além das paredes. Meus companheiros durante o dia são desatentos e poucas vezes me perturbam, pois poucos se interessam pela presença de outra pessoa quando estão a cuidar de sua educação cultural, e assim um velho fedido e malvestido é apenas um excêntrico e não um recluso ex-ministro.

Meus companheiros são, porém, o que me mantém vivo, uma vez que é a eles que recorro, por cima de meu orgulho e vergonha, quando preciso confessar a alguém que moro em um museu; são eles que me trazem alimentos e não me perseguem até as estranhas em que me abrigo.

Até hoje nunca fui seguido e consegui os alimentos necessários e, por isso, ainda vivo em um museu. Até hoje.




Monday, August 06, 2012

No meu aniversário

Eu sempre pensei que aniversários fossem bobos. A ideia de pensar na sua vida em algum momento específico é, afinal, meio boba. Mas quando fiz cinquenta anos isso começou a me preocupar porque, justamente, comecei a pensar em minha própria vida.

Isso aconteceu dezoito anos atrás. Naquela época eu pensava que não chegaria - e não queria chegar - onde cheguei. Mas não apenas cheguei (infelizmente) como cheguei bem. E pior: cheguei pensando em minha vida, desde aquela época. Pior ainda: ainda deverei ter mais alguns anos de vida, o que significa mais alguns anos para pensar em minha vida.

Enfim.

Não tenho filhos, acho. Nunca tive uma esposa. E nem um esposo. Nunca tive gays, lésbicas ou mulheres que se dedicassem a mim por muito tempo, mas também não me dediquei a nenhum deles por muito tempo.

Quando fiz cinquenta anos comecei a refletir sobre minha vida, talvez por azar, no dia de meu aniversário. Desde então reflito, mas sempre no dia em que me torno mais velho.


Tuesday, July 10, 2012

Valeu

4 de Julho de 2012

Na guitarra-base, um Tom Waits.
Na guitarra-solo, um David Beckham.
Na bateria, um Érico Pedrosa.
No baixo, um Bob Dylan dos anos 80 com o visual de hoje em dia.
No teclado, um Aaron Eckhart.

O concerto estava marcado para começar às 19 horas. Ele e seu colega argentino chegaram um pouco antes ao local, mesmo sabendo que o horário de início não seria respeitado. Como iam ficar em setores diferentes se despediram e marcaram de se encontrar na saída do show para tomar o trem de volta. Ele ainda se lembrou de avisar que talvez precisassem adiantar as passagens de volta.

"Eu te entendo.", disse o argentino, torcedor do Independiente.

Já na fila, sozinho espremido, ele se lembrou de um dos grandes motivos porque sempre detestara eventos como shows: pessoas mal-educadas, grosseiras, individualistas, traficando influência e tratando aos outros e sendo tratados como animais. Os sorrisos de desprezo dos responsáveis pela abertura das catracas, enquanto do lado de fora as pessoas tentavam continuar a se empurrar, foram uma imagem marcante, que lhe trouxe à mente em um instante a ideia de dispositivos psicanalíticos de exercício do poder, traduzida no desejo de pisar no rabo de um cachorro.

Já dentro do parque onde seria a apresentação, os boatos indicavam que o atraso, em média, é de 40 minutos. Para suas contas, este seria um bom tempo, pois com um show de uma hora e vinte minutos poderiam voltar à estação central às 21 horas e tomar o último trem de Bonn para Frankfurt às 22:14, chegando em casa por volta da meia-noite.

Às 19:40, de fato, tudo parecia pronto, após impressionantes seis trocas da lista de músicas que serão tocadas, que músicos têm à sua disposição coladas no palco. Os assistentes de palco, porém, voltam e começam a discutir sobre uma cortina cobrindo os canhões de luz. Um deles escala a estrutura do palco e começa a lentamente remover a cortina. A operação dura quase 15 minutos e o show começa às 20 horas em ponto.

Uma hora e cinquenta depois, ao final da apresentação, ele pensa que, se correr à estação, ainda há uma chance de pegar o trem. Comunica o desejo a seu colega, de correr ao metrô e à estação, de ainda tentar. Este topa.

"Eu te entendo.", diz o argentino, torcedor do Independiente, um dos maiores clubes de Buenos Aires.

Mas não entende, pois pára para comprar uma camiseta e tirar uma foto do belo pôr-do-sol no Reno. Tudo está perdido, mas se o trem estiver atrasado ainda há uma chance e ele avisa que comprará a passagem de qualquer forma. Deus é brasileiro, dizem, e é uma mulher negra, dizem, e o trem estava atrasado em vinte minutos. Eles tinham três minutos para comprar as passagens e correr à plataforma. Ele diz a seu colega que vai comprar as passagens e que o encontra na plataforma, segurando o trem (sim, eles são latino-americanos, a ideia parecia fazer muito sentido).

A máquina é lenta. Ele precisa realizar passo a passo a compra dos bilhetes. Põe o cartão errado; o cartão de crédito é recusado; ele pega o dinheiro; o ticket está sendo impresso, o troco já vem, três minutos, com licença na escada rolante, o trem parado, um grito na plataforma - "Aqui!" -, o barulho das portas do trem, ele corre, o trem começa a andar ainda com aquela porta aberta, ele acena com o ticket e grita "Por favor!" para a comissária que olha com incredulidade e não entende português (a maldita mania dos seus colegas latino-americanos de falar em espanhol com ele sempre faz com que ele diga coisas espontaneamente, e não em alemão) e nem se importa enquanto o trem parte.

Ele se pega socando o chão enquanto grita "Scheiße! Carajo!" sob olhares de pessoas da plataforma oposta.

Não, o colega argentino, torcedor do Independiente, um dos maiores clubes de Buenos Aires, sete vezes campeão da Libertadores da América não entende.

Eles vão em busca de informação. Ele já olhara na internet. Agora os trens para a estação de Frankfurt só chegarão às 4 da manhã no destino. Chegar em casa, só depois das cinco. Mas deus é brasileiro, dizem, e gostosa, dizem, e ele não acredita em nenhuma das três coisas. Mas ele acredita que ainda não é muito esperto, mas também não muito azarado, quando a mal-humorada funcionária da estação informa que, sim, há um trem que chega em Frankfurt, no aeroporto, à 1:54 da manhã.

Eles decidem ir, mesmo sabendo que não haverão mais ônibus circulares ou metrôs para casa. Têm uma hora para fazer algo em Bonn. Mais tarde ele pensará em como a frase "Cara, preciso de uma cerveja." ficará pra sempre associada a esta cidade em sua mente, talvez porque, em todas as ocasiões, foi uma necessidade física, com uma segurança frente ao risco de não conseguir mais pensar.

No trem da 00:07, que também tem um atraso de cerca de quinze minutos, é impossível achar um lugar nas cabines, de modo que se alojam nas cadeiras para leitores, que viajam com a luz acesa durante a noite, impedindo qualquer soneca. Quando chegam ao aeroporto de Frankfurt, poucos minutos após as duas da manhã, procuram pelas informações no painel. Trens para Hamburgo, Munique, Basel e nada para Frankfurt, ali ao lado.

"Às 4:25, o próximo. Leider." informa o policial, sem pensar no quão doído foi aquele infelizmente. Ainda que deus não exista e o brasil estivesse longe, havia uma garota negra ali, pedindo a mesma informação. "Deus são os outros", ele pensará depois, "quando não está numa fila.". Com sorte o táxi dividido em três não seria caro. E, com a sorte dos campeões, o valor cabia no bolso. Por outro lado, ele teria que descer e andar cerca de vinte minutos até seu apartamento, além de encarar os quatro lances de degraus.

No caminho, passam pelo primeiro Pub. "Cara, preciso de uma cerveja e preciso comer alguma coisa!". Ele abandona a ideia. Descem do táxi, se despedem meio correndo. Seus parceiros de corrida podem pegar um ônibus, ele não. E ele tem pressa.

"Eu te entendo.", diz o argentino, torcedor do Independiente, um dos maiores clubes de Buenos Aires, sete vezes campeão da Libertadores da América, maior campeão da história do torneio.

Na corrida para casa, ele tem a impressão de ter se perdido, mas, como não existe deus, ele tem que confiar em seu senso de direção e segue pelo caminho que imagina ser o melhor. É. E ele encontra o segundo Pub. "Cara, preciso de uma cerveja e preciso comer alguma coisa e preciso me lavar". Mas ele abandona a ideia. Está a caminho de casa, corta caminho pelas praças, meio de ruas, corre pelo trilho dos bondes (até que as pedras machuquem seus pés - e, aqui, num momento de razão, ele pensa que isso de andar pelos trilhos nem traz tanta vantagem assim, mas faz uma graça) e, a cinco minutos de casa, cruza com o ônibus noturno que poderia ter tomado ao saltar do táxi. Claro, deus não existe, mas se existisse seria um filho da puta.

Mas tudo bem, tem que ser sofrido mesmo, alguns dizem. Em algum momento tem que haver sofrimento, antes, durante ou depois.

E depois ele pensará em seu colega argentino torcedor do Independiente, um dos maiores clubes de Buenos Aires, sete vezes campeão da Libertadores da América, e ainda o maior campeão da história do torneio e dirá "Eu te entendo!".

Porque ele chegou em casa às 2:43.
Valeu.

***

Com a banda, em Bonn, nos vocais, estava Bob Dylan.
Em São Paulo, o Corinthians ganhou a Libertadores.

***


E estas coisas, agora, voltam a fazer parte daquela normalidade que vai nos engolindo a cada dia.


Friday, July 06, 2012

Uma história

(...)

A história de Milena e Alex, é claro, divide-se na história de Milena e na história de Alex, e cada uma delas inclui outras divisões, mas são estas, justamente, que não são mais a história de Milena e Alex. Justificar a escolha da história de ambos, então, deveria ser fácil, pois esta deveria ser a mais interessante entre todas. Mas não. Talvez seja, mas não é isso que importa. O que importa, realmente, é que é esta é uma história que merece ser contada. (...)

Encontramos Milena e Alex pela primeira vez do lado de fora de um bar quase vazio numa noite fria do final de junho. Ambos tomam lentamante algumas poucas garrafas de cerveja. Esvaziam os copos rápido, mas não buscam mais quando acaba. Preferem esperar pela passagem da garçonete, que, parecendo pouco contente com sua presença, também não passa muitas vezes na mesa dos clientes que a impedem de fechar o bar. (...)

(...)

Wednesday, May 16, 2012

Grande ideia que não aconteceu

"A água era insípida, inodora, incolor e barulhenta."

Ele pensara? Ou era assim mesmo? Era Jonas, era Olga, era O Narrador?

Se era, não foi.

Com esta frase poderia ter vindo algo, mas a visita à cachoeira, como tantas outras coisas, acabou como uma promessa não cumprida.