Wednesday, October 10, 2007

A situação social do goleiro


"No fear, no pain
Nobody left to blame
I'll try alone
Make destiny my own
(...)
So here I am
In solitude I stand"






Por muito tempo, mas muito tempo mesmo, ninguém se importou com os goleiros. E ainda hoje ninguém se preocupa, a não ser que ele seja o melhor atacante do time (do seu ou de seu adversário...).

Mas o problema é que ele está lá, o que já coloca dois problemas a mais nesta frase: primeiro, não se deve começar uma frase - que dirá um parágrafo! - com adversativa e, segundo, não se deve repetir palavras abusivamente. E, além disso, ainda temos de nos preocupar com o fato de que um ser humano está sozinho, cumprindo uma função especial e diferenciada e que é objeto de esquecimento, a não ser quando a torcida deseja sua humilhação e derrota, se possível nesta ordem, pois a vitória é um prato que se come frio.

Porém (!), mais que diferente, o goleiro é um solitário e mais que um mártir, o goleiro é culpado.

O quê, afinal, leva alguém a escolher a tarefa de defender seus companheiros ao invés de ajudá-los a atacar se, aliás, o próprio conhecimento popular já afirma que "a melhor defesa é o ataque"?. Por quê, então, temos um sujeito que se sujeita a ser esquecido e deixado para trás, no grande momento? Por quê o público é obrigado a encarar o fato de que seu time, para vencer, precisa superar aquele cara cujo tarefa é evitar que o jogo seja o mais bonito possível? Ainda se, após as jogadas mais bonitas ele aparecesse num salto para o nada e, no momento seguinte não fosse mais que o contraste com a alegria da vitória, se, enfim, o goleiro não fosse mais que a necessária derrota para a existência da vitória (o não ser como condição necessária do ser alternativo, diria o escritor), sua existência teria uma justificação positiva.

Entretanto, o goleiro é um ser tão negativo que obriga mais um parágrafo a começar com uma adversativa! Pois, além da língua, ele deve estragar o jogo em si: sua função vital é negativa, é evitar o gol, é guardar novamente o grito na garganta e encarar tudo como mera obrigação, e, no máximo, exigir que seus companheiros rendam mais. Comemorações são momentos excepcionais, gritos e reclamações são esperados (já que, somado a tudo aquilo, o goleiro ainda deve ser um líder!) e decepção e tristeza são naturais e, portanto, desejáveis.

É por isso, então, que ele é um solitário: a alegria e seus derivados são, por execelência, sensações coletivas, alcançadas positivamente, enquanto ao goleiro cabe, no máximo, a satisfação pessoal por sua tarefa cumprida. Ora, a satisfação pela derrota (ou pela desgraça) alheia é, além de demonstração de insensibilidade e falta de caráter, ressentida e culpada. São sensações exitosas particulares que implicam em desolação coletiva e, pior ainda, em um elogio da não criatividade, em uma manutenção do estado das coisas e em um movimento claramente reacionário. Daí o fato de, mesmo colocando-se numa posição digna de pena e apelando para um pretenso martírio, o goleiro é, antes, culpado.

Culpado por impedir a beleza total, mas também por mostrar a todos que esta mesma beleza depende da existência da tristeza, que, junto com a existência dos sonhos está a existência das perdas, junto com a redenção está a culpa e junto com o desejo de superação está o ressentimento. Em outras palavras, cada um dos sentimentos positivos carrega em si um germe de sua negação, e, por isso, desde sempre a impossibilidade mesma de realização daquela beleza total é demonstrada pela simples existência de alguém cuja tarefa é o negativo da beleza. Ao goleiro, portanto, cabe antes de mais nada, ainda nos vestiários da vida (hehehehe), encarnar a demonstração da condição contraditória da felicidade.

Como já disse alguém, não existe vida na falsidade, e é possível que não exista felicidade no negativo. Se este negativo, então, é necessário, será impossível existir felicidade completa, já que a alguns é imputado o sofrimento como causa de vida. Sociologicamente poder-se-ia dizer que a desigualdade alimenta a sociedade, e sem aquela, esta perece e desaparece. Mas, para usar uma última adversativa, o conhecimento popular (novamente ele) ensina que para alguém ganhar, outros devem perder, e essa é a lei da vida, que, por sua vez, é um jogo. Aceitá-lo significa concordar com as regras e correr o risco da derrota. No caso do goleiro, a regra aceita diz respeito não ao jogo, mas à sua situação social: para ele, viver é sofrer e a regra é encontrar a realidade dentro do sofrimento. Por isso, finalmente, justifica-se sua diferença: viver, neste caso, já é acreditar, ao passo que acreditar já é enganar-se. Algo, no mínimo, necessário.

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