Saturday, June 20, 2009

Afastamento e afeto


"Who needs a heart that never bleeds
Never retreats and never needs
If it's all alone"

Tentações. Medo irracional de se decepcionar ou a certeza plena de que estava com a razão? Este era o problema que lhe incomodava no momento. Aliás, um problema que sempre lhe incomodara, uma vez que nunca se decidira à exposição plena e nem ao recolhimento total. Neste ponto a dialética lhe servia. Em alguns outros momentos também, é verdade, mas, enquanto fuga, a busca por uma relação que permitisse esconder o fato de que ele não teria a coragem necessária para se decidir representava tanto o conforto que mascara o egoísmo quanto o passividade do comodismo mais ridículo.

No final das contas não era mais que a retomada da questão sobre entrar no mundo ou não. "Vão-se os anéis e ficam os dedos" teria pensado. Mas neste momento procurava evitar os clichês, pois estava seriamente em dúvida. Por muito tempo fora fácil seguir o ensinamento do Inferno, "O outono aqui dentro, a primavera lá fora", ensinamento que impelia à escolha que agora lhe parecia por demais pesada. Não errada.

Pesada. "It's not dark yet, but it's getting there" aprendera com outra pessoa. Talvez ainda houvesse tempo, pelo menos o suficiente para mais decepções, arrependimentos e negações. E mesmo que este tempo viesse a reforçar sua certeza de que aquilo seria tão falso quanto a própria vida, ainda havia tempo e haveria depois. Tempo para compactuar, portanto.

***

"Aquele que se recusa a participar corre o risco de considerar-se melhor que os outros e de no seu interesse privado fazer mau uso da crítica da sociedade como ideologia. Enquanto busca fazer da própria existência uma débil imagem da verdadeira, deveria ter presente essa fragilidade e saber quão pouco a imagem substitui a vida verdadeira" (Adorno em Minima Moralia)

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Já não acreditava ter a força e a austeridade necessárias ao exercício da sobrevivência como a desejava, com o afeto universal e indistinto ao desconhecido. Pelo contrário, parecia-lhe mesmo uma opção calculada, como uma dança solitária na qual o prazer vem da subversão de si, da certeza mantida em segredo de que poderia ter feito aquilo que não fez e sido o que não foi. Esta, no entanto, não era uma escolha e sim um fardo. E ainda que momentâneo, dado que a esperança subsistente não lhe seria dada, este fardo parecia escarnecer de sua capacidade de ser, criar e, mais ainda, acreditar.

Enfim, uma inoportuna lufada de perfume no ar outonal, seco, que se respira no Inferno. Como são, afinal, inoportunas todas as tentações.

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