Sunday, November 12, 2006

O outro lado





"Nevermore to feel the pain
the heart collector sang"






Olhando por cima do balcão empoierado, mantinha uma atitude friamente calculada. Mesmo sem que sentisse, sabia, por experiência, que a água que corria por suas mãos estava gelada, que a sujeira do fundo dos copos não fora limpa e que o sabão espirrava por toda a pia encardida. Sua atenção se concentrava naquele homem indiferente que parecia vagamente interessado por todos e por ninguém. Sequer consiguia imaginar o motivo de tamanha melancolia, o que lhe levava a pensar sobre seu futuro, paradoxalmente.

"Não tem nem por onde começar", resignava-se, ainda que fosse claro que ele precisava de ajuda.

Enquanto não se importava com a água gelando seus dedos, lembrava-se de que o tempo passara sem que percebesse, fundindo-o com aquele lugar que hoje ocupava. Lembrou-se dos desejos que antes não lhe permitiriam ficar ali parado e da forma como eles inexplicavelmente se tornaram uma desnecessária justificativa para sua atitude atual.

E a água continuava a endurecer seus dedos, sem que ele se importasse, pois, assim como os corações de pedra ainda devem sangrar, as mãos mortas ainda são obrigadas a trabalhar.

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